samedi 8 janvier 2011

De sem-cama à fama em uma semana: vírus que não deixa de cama?

Numa das minhas pesquisas pelo imdb.com (The Internet Movie Database, um banco de dados sobre filmes do mundo inteiro e de todos os tempos), esbarrei num documentário intitulado “Winnebago man”, de Ben Steinbauer, cineasta e também professor na University of Texas. Foi assistindo a esse saborosíssimo filme que tive meu primeiro contato com o termo “viral video”, que certamente dispensa tradução. Trata-se desses vídeos que são postados num YouTube da vida e, uma vez compartilhados por Facebook, Twitter etc., alastram-se feito vírus, num instante são assistidos por milhões de internautas.
Quanto à origem do termo, infelizmente não posso dizer muito; não posso dizer nada, na verdade, pois daria um trabalho investigativo tremendo, e o que menos quero neste momento é mais trabalho. Mas posso, sim, dizer que a maior parte desses vídeos virais está relacionada ou com (1) clips musicais – de artistas conhecidos ou não – , ou (2) propagandas publicitárias engraçadas ou emocionantes – em todas as concepções de emocionante – , ou com (3) coisinhas bizarras, bonitinhas ou engraçadinhas – como bebezinhos e gatinhos dançando ou assustando crocodilos – , ou (4) grandes escândalos sociais e (5) avanços tecnológicos que fazem sonhar – gadgets e afins. Mas a grande, digamos, a maior maioria deles (6) tem um quê de sádica e sarcasticamente humorístico; eles apresentam geralmente algo que nós, brasileiros, denominamos vídeo-cacetada: em poucas palavras, esse último tipo de vídeo viral é uma vídeo-cacetada que infecta uma audiência muito maior que a do Faustão dominical; é todo o mundo rindo da desgraça de gente do mundo todo...
No entanto, na minha busca de ontem, encontrei algo que escapou desse padrão – ou não?...


Um repórter de Columbus (Ohio – EUA), com sua câmera no carro, para no semáforo e filma um mendigo – sem teto, sem nada – que, segurando sua plaquinha onde afirmava ter uma voz que é uma dádiva divina, faz anúncios de rádio imaginários e instantâneos em troca de uns trocados. O vídeo foi gravado, acho eu, no fim do ano passado (2010) e postado na internet na última segunda-feira (03/01/2011). Hoje, dia 8 – ou seja, em cinco dias – , já não dá mais pra contar o número de pessoas que assistiram ao vídeo, pois, além de o arquivo original ter sido compartilhado por milhões através dos meios usuais – Facebook etc. – , vários usuários repostaram o mesmo vídeo em seus próprios nomes, ocasionando até mesmo infrações de direitos e a retirada, o corte de disponibilização de alguns desses na web. No fim das contas – incalculáveis, a não ser no que concerne ao tempo de ascensão – , Ted Williams – antigo locutor de rádio (distanciado do metiê por causa do alcoolismo e das drogas), pai de sete filhas e dois filhos, morador de rua desde 1993, fichado na polícia por vários pequenos crimes – , só no decorrer desta única semana – única! – , virou febre internáutica, estrela viral, vírus estelar; recebeu proposta de publicidade virtual gratuita; fez a abertura de uma emissão de rádio da sua cidade; apareceu em inúmeros programas televisivos e radiofônicos de entrevista nos Estados Unidos; tirou nova carteira de identidade – pois não tinha mais – ; foi levado – de avião – a Nova Iorque para rever sua mãe – depois de vinte anos sem a encontrar – ; recebeu uma dezena de ofertas de trabalho – dentre elas, trabalhar em pequenas estações de rádio (virtuais e reais), tornar-se a voz publicitária da marca Kraft (indústria alimentícia) e, dentre todas, a mais espetacular até agora, ser o locutor oficial do estádio do Cleveland Cavaliers, time da NBA que, no ano passado, não chegou às finais do campeonato por muito pouco.


Ted Williams: sem cama numa semana; noutra, rumo ao hall da fama. Aliás, mesmo aqui na França (de onde escrevo neste momento), se você procurar no Google “Ted Williams”, o “morador de rua com uma voz de ouro” ganha dos resultados do jogador de baseball – que está realmente, há décadas, no hall da fama dos esportistas estadunidenses – , jogador homônimo seu.
Mas, retornando ao fenômeno desse pedinte radialista – e/ou vice versa – , por que esse vídeo, mesmo não se inserindo nas categorias que eu havia descrito, teria se tornado viral, tão fenomenalmente viral? Será que é o espírito natalino que ainda ressoa? Os desejos de um ano novo renovador, transformador, solidário e fraternal? Ou talvez mais uma forma de exploração? De tirar proveito, cada um do seu jeito, dessa história de “redenção”? Será que, se o mendigo não tivesse dito “God bless you” (“Deus te abençoe”) no vídeo, o resultado seria outro?
Não tenho resposta nenhuma pra nenhuma das minhas perguntas, e nem posso imaginar as questões ou soluções que possam ter passado pela sua cabeça durante esses alguns minutos de leitura. Só arrisco a dizer que, naquilo que configura um vídeo viral, essa história captada por Doral Chenoweth III (o repórter de Columbus que des-cobriu Ted Williams) parece ultrapassar os demais vídeos virais por formar uma bela mistura, tocar de alguma forma em todos aqueles que se enquadram nas categorias que esbocei: (1) relaciona-se com o fascínio, com o encanto que uma voz pode gerar, como os clips musicais; (2) Ted Williams produz seus anúncios – publicitários, de certa maneira – instantâneos, ali mesmo, que emocionam por seu caráter extremamente inesperado, o que engloba também (3) o bizarro, ver esse mendigo cabeludo e com os dentes todos e todo tortos, meio Fera, que, abrindo a boca, é mais belo que a Bela; (4) trata-se, sim, de um escândalo social, um retrato do fracasso do “american dream”, um desperdício de um talento que deveria ser valorizado nessa terra onde tudo é possível; (5) e (por que não?) lembra um avanço tecnológico também, é como se tivessem colocado um micro-chip, um sintetizador de voz naquele monstro, como se você mesmo pudesse apertar um botãozinho ou torcer o nariz e, abrindo sua própria boca, você escutaria uma voz completamente diferente da sua, você mesmo cantando a sua música favorita com o mesmo timbre dos seus cantores favoritos ou cantoras favoritas.
Sei que exagero nessas aproximações, mas só estou tentando compreender o fenômeno, convencer a mim mesmo que é possível chegar a uma conclusão, a uma explicação coerente pra que esse vídeo específico tenha causado tanto efeito. Só não quero, depois da época de balanço, ter a notícia de que Ted Williams voltou a morar na rua e que tudo isso não passou de uma exploração-relâmpago da imagem, da voz, da história desse personagem tão cativante. Só espero que tudo isso tenha um efeito real e positivo nesse sujeito – e na sociedade, internáutica ao menos – ; que isso não seja só um momento de contos de fada fadado a passar tão rápido quanto veio; que não tenha fascinado tanto simplesmente por ser “engraçado” esse joão-ninguém não ter o que botar nessa boca donde tira tanta maravilha; que esse vídeo e seu sucesso não se expliquem pelo prazer sádico de se ver, ou, até mesmo, de se rir da desgraça alheia, da vergonha alheia, do apagamento da dignidade do outro; que esse vídeo viral não se enquadre, finalmente, na tragicômica categoria da (6) vídeo-cacetada...

2 commentaires:

  1. Zé, muito bom ler você, seja em poesia, seja nesta prosa jornalística extremamente sedutora aquele abraço

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  2. Zé,
    Saudades de você!
    Ótima reflexão e concordo com você sim, é bem por aí infelizmente.
    Humanos sempre humanos....
    Beijos do Brasil,
    Letícia

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